Uma investigação conduzida pela European Broadcasting Union identificou que o sêmen de um único doador dinamarquês, conhecido como “7069” ou “Kjeld”, foi utilizado por 17 anos em clínicas de reprodução assistida por toda a Europa, resultando em pelo menos 197 crianças. O material, comercializado pela European Sperm Bank, circulou muito além dos limites estipulados pelas legislações nacionais, o que permitiu que uma mutação grave ligada à síndrome de Li-Fraumeni fosse transmitida sem detecção.
A mutação, presente no gene TP53, é associada a cânceres extremamente agressivos, inclusive na infância. Como a alteração ocorria apenas nos gametas — um caso de mosaicismo gonadal — os exames disponíveis na época não eram capazes de identificá-la. Parte das crianças já desenvolveu tumores, e especialistas alertam que ainda há famílias que desconhecem o risco e, portanto, não estão recebendo o acompanhamento médico preventivo recomendado.
De acordo com documentos obtidos pela EBU, o material do doador foi distribuído em larga escala: 99 crianças nasceram apenas na Dinamarca, 53 na Bélgica e 35 na Espanha, países onde os limites legais foram amplamente ultrapassados. A ausência de integração entre bancos de sêmen, clínicas e sistemas de saúde facilitou que o uso se espalhasse por 14 países sem qualquer consolidação de dados ou controle centralizado.
O caso expôs falhas estruturais na regulação do setor de reprodução assistida na Europa, um mercado bilionário marcado por regras fragmentadas. Para especialistas, localizar todas as famílias afetadas, ampliar o acesso ao rastreamento oncológico e reforçar mecanismos de controle internacional são passos essenciais para evitar que situações semelhantes se repitam nas próximas gerações.






